Falta de leitura. Uma tragédia que assola os púlpitos.
Em 17 de agosto de 1760, um preocupado e zeloso John Wesley escreveu uma encorajadora carta de aconselhamento ao seu amigo e inexperiente ministro de Silberton, John Trembath. Entre os vários problemas espirituais e de conduta que Wesley procurou alertar e corrigir em seu estimado amigo, o descuido pela leitura recebeu uma longa e eloquente exposição no último trecho da referida carta.
Segue o trecho que nos interessa:
“O que tem lhe prejudicado excessivamente nos últimos tempos e, temo que seja o mesmo atualmente, é a carência de leitura. Eu raramente conheci um pregador que lesse tão pouco. E talvez por negligenciar a leitura, você tenha perdido o gosto por ela. Por esta razão, o seu talento na pregação não se desenvolve.
Você é apenas o mesmo de há sete anos. É vigoroso, mas não é profundo; há pouca variedade; não há sequência de argumentos. Só a leitura pode suprir esta deficiência, juntamente com a meditação e a oração diária. Você engana a si mesmo, omitindo isso. Você nunca poderá ser um pregador fecundo nem mesmo um crente completo. Vamos, comece!
Estabeleça um horário para exercícios pessoais. Poderá adquirir o gosto que não tem; o que no início é tedioso, será agradável, posteriormente. Quer goste ou não, leia e ore diariamente. É para sua vida; não há outro caminho; caso contrário, você será, sempre, um frívolo, medíocre e superficial pregador.”
Infelizmente o problema não se restringiu à comunidade de Silberton do século XVIII. Em nossos dias, é extremamente preocupante o número de obreiros e pregadores que sobem ao púlpito totalmente despreparados. Sermões rasos, recheados de jargões “gospel” e frases de efeito, textos fora do contexto e mensagens aleatórias e desconexas.
No meio pentecostal a questão torna-se ainda mais evidente, pois não raras vezes o descuido na preparação é disfarçado de uma pretensa espiritualidade. É comum vermos pregadores mudarem o tom de voz, darem duas ou três sopradas no microfone só para falarem um amontoado de incongruências e absurdos até antibíblicos.
O apóstolo Pedro registra em sua segunda carta que toda escritura foi produzida por homens guiados e inspirados por Deus. (2 Pedro 1: 20-21)
Ora, se cremos que Deus inspirou os escritores bíblicos, é óbvio concluir que o mesmo Deus jamais daria a alguém uma mensagem que contradiga a sua palavra. É certo que tal mensageiro está encobrindo sua deficiência com encenações e querendo impressionar usando de sofismas.
Esses homens e mulheres estão perdendo uma oportunidade preciosa de semear para o Reino de Deus e impactar a vida das pessoas. Pois alguns são realmente bons em representar e até conseguem tocar a emoção dos ouvintes, no entanto, assim que a emoção passa o efeito se esvai. Muito vigor, porém, pouca substância.
O que tem transformado vidas nesses dois milênios é a fiel exposição da Palavra de Deus. Vivemos na era da informação. Hoje, um indivíduo, através da grande rede, tem mais acesso à informação através de um clique do que um cidadão comum teria em sua vida inteira, 50/60 anos atrás. Então é fundamental que o pregador/a esteja devidamente preparado para lidar com todo contexto contemporâneo, bem como manejar bem as Escrituras a fim de aplica-la de forma adequada.
Atente para as palavras do apóstolo Paulo a seu pupilo Timóteo:
“Procura apresentar-te a Deus aprovado, como obreiro que não tem de que se envergonhar, que maneja bem a palavra da verdade”.
O seguinte trecho também vale menção:
“Ninguém despreze a tua mocidade; mas sê o exemplo dos fiéis, na palavra, no trato, no amor, no espírito, na fé, na pureza.
Persiste em ler, exortar e ensinar, até que eu vá”.
Paulo sabia muito bem da importância da dedicação à leitura para a pregação e divulgação eficaz do Evangelho.
O apóstolo, que antes da sua conversão já era um homem que possuía um amplo domínio das escrituras do Antigo Testamento, tendo sido criado aos pés de Gamaliel, (Atos 22:3) um dos mais proeminentes mestres do Judaísmo do primeiro século, não negligenciou a cultura e contexto em que estava inserido.
Em sua primeira carta à igreja de Corinto, no capítulo 15 e versículo 33, ao advertir os Coríntios contra os perigos da companhia de indivíduos malignos que, por sua influência, arruínam o caráter de outros, Paulo faz uso de uma citação da Comédia chamada “Thais”, de autoria do poeta grego Menandro, que é datada em 300 a.C.
Eis a citação:
“Não vos enganeis: as más conversações corrompem os bons costumes”.
Citando um poeta pagão, naquilo em que estava em conformidade com os princípios e caráter de Deus, Paulo estava lhes pregando e ensinado o Evangelho, fazendo uso daquilo que lhes era familiar.
Em outra ocasião, escrevendo a Tito, Paulo cita Epimênides para se opor aos ensinamentos falsos dos hereges de Creta:
“Um deles, seu próprio profeta, disse: Os cretenses são sempre mentirosos, bestas ruins, ventres preguiçosos”.
Epimênides foi um sábio grego, do século VI a C, que alguns consideravam um poeta e outros um profeta.
Esses recursos estavam à disposição do apóstolo porque certamente era um homem dedicado à leitura e aprendizado.
Enfim, espero que, com essas poucas palavras eu tenha conseguido ao menos chamar a atenção para uma pequena autoavaliação, a fim de averiguarmos se estamos nos dedicando ao que nos foi confiado, sabendo primeiramente que não é a homens que estamos servindo, e sim a Deus que tem separado cada um para aquilo que foi chamado, a fim de cumprirmos nossa vocação com dedicação e fidelidade, tendo em conta que toda retribuição virá do alto.
Você não precisa ter uma biblioteca com 500 ou mais livros para ser um pregador fiel da Palavra de Deus, certamente que uma boa bíblia de estudo já pode ajudar muito. Comentários bíblicos também são de grande valia. Obviamente que todas essas coisas precisam estar em conjunto com a oração e uma vida de santidade, o que é bem diferente de não cometer pecado, pois isso seria impossível, tendo em vista que todo homem e mulher, mesmo que nascidos de novo em Cristo, ainda tem de lidar com a natureza pecaminosa que reveste nosso corpo mortal, mas isso é assunto para outro momento.
Encerro com as palavras do grande pregador inglês do século XIX, acerca do apóstolo Paulo, o qual nós já falamos um pouco nesse texto:
“O apóstolo Paulo diz a Timóteo …
” Quando você vier, traga a capa que deixei na casa de Carpo, em Trôade, e os meus livros, especialmente os pergaminhos. (2 Timóteo 4:13)
“…Paulo foi inspirado pelo Espírito, mas, ainda assim, quer livros! Ele esteve pregando por pelo menos 30 anos, mas, ainda assim, quer livros! Ele viu o Senhor, mas, ainda assim, quer livros! Ele foi arrebatado ao terceiro céu, e ouviu coisas que eram proibidas ao homem pronunciar, mas, ainda assim, quer livros! Ele escreveu a maior parte do Novo Testamento, mas, ainda assim, quer livros! O apóstolo disse a Timóteo e da mesma forma diz a todos os pregadores:
“APLICA-TE À LEITURA “.
(Charles Haddon Spurgeon).
Por: Fábio Costa.