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A utilidade da dor

Um paradoxo pode ser definido como a afirmação contraditória que desafia a lógica e o senso comum.

O aparente paradoxo contido no título deste artigo talvez possa tornar propensa a tendência do leitor a imediatamente desconfiar ou até mesmo descartar a ideia contida na mensagem do enunciado.

Em um mundo hedonista em que a busca pela felicidade, prazer e conforto tornaram-se um fim em si mesmo, parece mesmo um contrassenso colocar a palavra “utilidade” e dor na mesma frase.

Porém, permita-me traçar algumas poucas linhas a fim de refletirmos sobre um aspecto pouco mencionado sobre esse assunto.

Ressalta-se que o requisito fundamental para sentir a dor seja ela física, ou emocional, ou percebê-la no outro é estar vivo.

Só há dor, onde há vida, pois os mortos nada mais sentem.

A dor está intrinsecamente conectada à vida, nela atua e dela depende.

Porém, essa relação dor/vida não ocorre em uma via de mão única em que a dor depende exclusivamente da vida para sua existência sem dar nada em troca ou mesmo prejudicando-a em uma relação que conhecemos como parasitismo.

Tomando emprestado outro conceito da biologia, é mais apropriado denominar a interação dor/vida como mutualismo.

No mundo animal, observamos um caso de mutualismo, veja os ruminantes (o boi, por exemplo) e as bactérias contidas em seu estômago.

Apesar de serem herbívoros, não possuem a capacidade inata de produzirem uma enzima necessária para quebrar a celulose das folhas. A chamada celulase. Esse trabalho é realizado pelas bactérias presentes em seu sistema digestivo, que em troca ganham alimentação e moradia.

Da mesma forma, a dor depende da vida para a sobrevivência e esta depende daquela para sua preservação. É uma relação de mutualismo.

A dor é o sistema de alerta que nos avisa quando algo está errado. Sem este sistema, a vida seria constantemente surpreendida pela morte e destruição. E este princípio rege todas as facetas da nossa existência.

Agora, imagine um mundo sem dor.

Considere um caso de apendicite (inflamação do apêndice) como exemplo. O processo de inflamação costuma ter em média de 12 a 18 horas com as primeiras sensações de incômodo surgindo ao redor do umbigo, sendo comum que a dor vá aumentando gradativamente enquanto se concentra no lado inferior direito do abdome.

Nesse caso, a dor é um indicativo de que o processo de inflamação está em estágio adiantado e levará a ruptura do órgão espalhando as bactérias na corrente sanguínea. Se não houvesse dor para alertar a necessidade urgente de uma cirurgia, milhares de pessoas teriam morrido de infecção generalizada devido aos casos de apendicite na história.

A dor e o sofrimento, ainda que indesejados, muitas vezes são aliados em nossa jornada nesse mundo hostil.

A própria natureza sofre com as incorreções em seu curso, desde que o mundo afastou se do propósito original de Deus já no seu princípio.

Terremotos, tsunamis, furacões e outras anomalias “naturais” que causam destruição, mortes e caos são alertas estridentes que há algo de errado com esse mundo e que se aproxima o dia em que a própria natureza será restaurada.

“A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados.
Pois ela foi submetida à futilidade, não pela sua própria escolha, mas por causa da vontade daquele que a sujeitou, na esperança
de que a própria natureza criada será libertada da escravidão da decadência em que se encontra para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
Sabemos que toda a natureza criada geme até agora, como em dores de parto”.
Romanos 8:19-22

Aguardamos ansiosamente a completude dos tempos para que seja restaurada a ordem original, planejada por Deus, desde o princípio.

Mas agora é necessário falar daquilo que considero a função mais importante da dor que podemos encontrar debaixo do sol.

As terríveis dores desse mundo: os diversos tipos de dores físicas, os sofrimentos emocionais, a depressão, a horrível dor da perda de uma pessoa amada, a dor da rejeição, da frustração, da derrota, da traição da sensação de impotência, dos complexos de inferioridade e os demais sofrimentos intrínsecos a nossa existência possuem duas funções vitais que nos serão muito úteis se atentarmos a elas.

A primeira é a de que tais coisas gritam aos nossos ouvidos o fato de que ainda estamos vivos. E juntamente com o dom da vida também podemos exercer a perseverança e a esperança, sabendo que não há mal que dure para sempre. A terrível dor emocional da depressão é um sinal de que você está vivo, mas também sinaliza que está na hora de pedir ajuda. É um alerta de que o fardo está muito pesado e é hora de dividi-lo. A função de dor é justamente o dispositivo que indica o fato de que se não buscar ajuda para se livrar do pesado fardo, ele irá esmagá-lo.

A segunda função da dor e do sofrimento no âmbito de nossas vidas é nos servir de constante lembrete de que não somos desse mundo.

Como disse, certa vez, o padre jesuíta, Teilhard de Chardin:

“Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana”.

Como cristãos, é necessário estarmos ainda mais conscientes disso, pois muitas vezes nos advém sofrimentos pelo simples fato de sermos seguidores de Cristo e automaticamente termos a aversão e o ódio de homens e demônios:

“Dei-lhes a tua palavra, e o mundo os odiou, pois eles não são do mundo, como eu também não sou.
Não rogo que os tires do mundo, mas que os protejas do Maligno.
Eles não são do mundo, como eu também não sou.
Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.
Assim como me enviaste ao mundo, eu os enviei ao mundo”.
João 17:14-18

Muitas vezes o sofrimento nos desperta para o fato de estarmos confortáveis e acomodados demais neste mundo e tendemos a esquecer do próximo e até mesmo do Criador. Bem como esquecermos do fato de que a morte virá de forma inevitável e temos de nos preparar para a verdadeira vida que virá após a consumação dos planos de Deus para este mundo.

Em Cristo podemos ter a esperança e a certeza de que os sofrimentos desse mundo são passageiros e que uma glória celestial eterna e imutável aguarda a todo aquele que Nele deposita a sua confiança.

Com esta certeza, podemos enfrentar as dores e mazelas desse mundo, sabendo que estes vão ficar no passado distante e enterrado quando finalmente vermos cumpridas as promessas feitas através de Cristo:

“Ele enxugará dos seus olhos toda lágrima. Não haverá mais morte, nem tristeza, nem choro, nem dor, pois a antiga ordem já passou”.
Aquele que estava assentado no trono disse: “Estou fazendo novas todas as coisas! ” E acrescentou: “Escreva isto, pois estas palavras são verdadeiras e dignas de confiança”.

Apocalipse 21:4,5

Por: Fábio Costa

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